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VICENTE FARIAS: UM GÊNIO DE POMBAL! (nova versão)

Paulo Abrantes 
Paulo Abrantes de Oliveira*

Meia hora foi o tempo que Vicente Farias afirmou ter demorado para abrir o cofre da Prefeitura Municipal de Pombal. A pressa com que o cofre foi aberto parece justificar sua essência: sua necessidade mais imediata era realizar o pagamento do salário dos funcionários municipais.

Vicente, vendo o fato impregnado de uma necessidade de natureza alimentar, atribuiu a si mesmo a carência de ligeireza para atender ao chamamento do Prefeito, apavorado que estava diante da presença do povo às portas da Prefeitura.

Haviam perdido a chave e o segredo do cofre, fato que tornava impossível o pagamento do funcionalismo municipal.

Vicente Farias seria, como o foi, a salvação:

- Aqui está a nova chave e o novo segredo do cofre! – disse Seu Vicente ao Prefeito Paulo Pereira.

Houve um aplauso total, ao mesmo tempo hilariante e profundo, na frente da Prefeitura.

Para todos os chamamentos, o que mais chamava a atenção era o traço de genialidade apresentado por Seu Vicente na prática do seu ofício.

Naquele momento, utilizou-se de um estetoscópio para auscultar o tilintar das peças do cilindro do cofre e alterar o seu segredo.

Seu Vicente conserva ainda a sua dignidade, o seu poder de decisão, a sua habilidade para manipulações engenhosas. Em sua arte, parece não haver lugar para a ingenuidade. O seu comportamento cruza com uma ironia e um realismo sutis, numa convivência em que predominam o cálculo, o artifício e a criatividade.

As aptidões diversificam-se de modo surpreendente: ora é alfaiate, ora, pintor de telas a óleo, fotógrafo, técnico em conserto de aparelhos radiofônicos e de TV, mecânico de automóveis, marceneiro, flandeiro ou funileiro, fabricante de castiçais, fabricante de desnatadeiras e de faróis, músico...

Só como ilustração de tais atividades, destaques alguns dos seus celebrados trabalhos.

Como fotógrafo, construiu sua própria máquina e seu estúdio de revelação, quando ainda não havia o processo digital.
Na atividade mecânica, certa vez atendeu ao Dr. Ademar Pereira, que havia perdido a chave do seu automóvel. Chico de Ernesto escutou a conversa sobre o incidente e gritou de pronto:
- Só quem resolve o problema é Vicente Farias.
Dito e feito: daqui a pouco passava o Dr. Ademar dirigindo fagueiro o seu carro pelas ruas de Pombal.
Como marceneiro, fabricava móveis, consertava imagens de santos da igreja, organizava a infraestrutura do presépio da Igreja Matriz.

Na lide de flandeiro ou funileiro – atividade mais conhecida como a de “flandileiro” – prestou vários serviços: revestiu o Ônibus da Viação Paixão; confeccionou as placas do Cine Lux, quando este passou a ser chamado, pela primeira vez, de Cine Afonso Mouta.
Confeccionava suas próprias roupas, passando a ser respeitado na sua nova atividade de alfaiate.
Quando da montagem dos presépios de Natal, era ele quem fazia os castiçais dourados para as velas natalinas.
Na pecuária, chegou a fabricar as desnatadeiras – máquinas próprias para a fabricação de queijos.
Até fabricava lampiões, faróis de pressão, que serviam para acender a luz de uma camisa incandescente, num momento ou noutro em que faltava energia elétrica.
Mas, uma atividade de que muito gostava e quem muitos apreciavam era a de músico: tocava saxofone, clarinete, bandolim, violino e era exímio afinador de piano. Só não gostava mesmo era de tocar violão...

Vicente Farias
Por tudo isso, os momentos mais geniais de Seu Vicente estejam nem tanto nos seus trabalhos habituais – embora esses sejam memoráveis – mas, principalmente, na área musical. No final das tardes, no terraço de sua casa, se punha balançando as pernas, dando asas à imaginação, parecendo querer relembrar os tempos em que fazia parte da Filarmônica Santa Terezinha, em Pombal. Era quando dava plena liberdade à sua vocação de músico; marcava com o pé o ritmo dos “dobrados”, pondo também ritmo na sua imaginação, seguindo o roteiro musical traçado pelos efeitos sonoros dos instrumentos que ressoavam na sua mente. Nessa perspectiva é que ele tocava, no seu pensamento, quando a banda passava o famoso dobrado “Canção do Marinheiro” conhecida também como “Cisne Branco”, (de Antônio Manoel do Espírito Santo, com letra de Benedito Xavier de Macedo).

A propósito, trata-se de uma marcha, cujos acordos e letra nos fazem recordar momentos memoráveis de nossa infância e adolescência:

Qual cisne branco que em noite de lua
Vai deslizando num lago azul,
O meu navio também flutua
Nos verdes mares de Norte a Sul.

Linda galera que em noite apagada
Vai navegando num mar imenso
Nos traz saudades da terra amada
Da Pátria minha em que tanto penso.

Qual linda garça que aí vai cruzando os ares
Vai navegando sob um belo céu de anil
Minha galera também vai cruzando os mares
Os mares verdes do Brasil.

Quando alegria nos traz a volta
À nossa Pátria do coração
Dada por finda a nossa derrota
Temos cumprido nossa missão.

Uma das facetas mais interessantes de Seu Vicente era a imitação que fazia de figuras notáveis da cidade de Pombal. Merece destaque a perfeição com que fazia da voz do Padre Oriel Fernandes.

Sabe-se que Seu Vicente não buscava o trabalho: este, sim, é que o buscava em casa. Daí, eram poucos os que o viam a caminhar pelas ruas de Pombal. Na verdade, ele era um inveterado caseiro. Talvez se houvesse nascido em um grande centro, tivesse desenvolvido suas diversas habilidades de forma extraordinária, acumulando riquezas, porque, mesmo em sua simplicidade, estava próximo da genialidade.

Casado com Dona Maria Araújo, esta era o amor de sua vida. Mulher prendada, também de dotes artísticos inigualáveis na arte da pintura, em telas e tecidos.

O casal teve três filhos: Carlos, Maria de Lourdes (Lourdinha) e Fernando.

Nos seus últimos dias de vida, fazia parte de um conjunto musical integrado por amigos, que, nas noites e madrugadas, saía tocando serestas pelas ruas pombalenses.

Sobre este fato, informou-nos o escritor Ignácio Tavares:

Participamos de alguns saraus na casa de Belino e Lili, lá no alto do Cruzeiro.

Pedoca de Deca fazia parte do grupo, e o cantor era Belino. A comadre Lili também cantava, por sinal, muito bem.

Sempre, aos domingos à tarde, quando eu estava em Pombal, a gente se encontrava no terraço da casa de Belino Queiroga para uns bons momentos de músicas de serestas. O bandolim de Seu Vicente era o destaque do grupo. Exímio solista que era, cheguei a acompanhá-lo ao violão, embora não gostasse de tocar esse instrumento, como você bem falou. Zé Cleôncio, filho de Seu Afonso, bem como Sales de Biró, aprenderam a tocar violão com ele.

Não tenho como adjetivar a arte de Seu Vicente, pois a sua complexidade é tanta que se torna impossível dizer em que ele foi melhor – concluiu Ignácio Tavares.

Apesar de todas essas qualidades, o músico, o artista, o gênio Vicente Farias manteve-se esquecido até hoje.

È necessário que se faça uma divulgação que esses notáveis estão a merecer, em face de se tratar de inesgotáveis valores humanos. Que se transmitam tais valores às novas gerações, para que todos tomem conhecimento dos seus feitos e possam divulgá-los com maior presteza e precisão.

• Paulo Abrantes de Oliveira é engenheiro civil e escritor pombalense.
VICENTE FARIAS: UM GÊNIO DE POMBAL! (nova versão) VICENTE FARIAS: UM GÊNIO DE POMBAL! (nova versão) Reviewed by Clemildo Brunet on 2/02/2012 05:24:00 PM Rating: 5

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